O Groupon brasileiro começa hoje (02/09) a colocar a mesma boia de salvação que tem usado há um ano nos Estados Unidos, para tentar sobreviver ao naufrágio das compras coletivas. Após passar por turbulências, encolher na bolsa e perder o presidente, a companhia americana entrou no comércio eletrônico, com foco no varejo local de pequeno e médio porte. Mais um marketplace? Não exatamente. A proposta do Groupon envolve bigdata, georreferência e uso de aplicativos de celular. Tudo amarrado com o laço dos descontos.
Basta dar uma olhada nos números do Groupon para entender os motivos dessa mudança drástica no modelo de negócios. Globalmente, o faturamento foi de pouco mais de R$ 5,6 bilhões, em 2013, mas com lucro de apenas de R$ 160 milhões. A empresa não divulga os números isolados do Brasil, mas os resultados da região geográfica em que está inserido – Resto do Mundo, segundo o balanço – são desanimadores: a empresa teve receita de cerca de R$ 700 milhões, com prejuízo de R$ 120 milhões no período.
O comandante da mudança na operação brasileira tem sobrenome com origens alemãs, lituanas e polonesas, mas é um legítimo paulistano. Dono de um jeitão descontraído, Michel Piestun (para quem “não ter de usar terno e gravata todo dia é um dos maiores benefícios que já tive num pacote”) não reflete a imagem de engenheiro formado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Há um ano no comando do Groupon no país, Piestun foi fisgado da Samsung, em que era vice-presidente da área de Telecom. Afinal, por que trocar uma empresa que cresce forte por outra atrás de um rumo? “Eu gosto de desafios”, diz, rindo.
O primeiro passo para vencer o “desafio” foi deixar de lado o modelo baseado no envio de um e-mail diário a assinantes, com uma oferta ativada apenas se um número mínimo de pessoas a comprasse. Pelo novo sistema, as ofertas já são válidas imediatamente após a compra. A segunda etapa acaba de ser implementada, com a entrada hoje no ar do novo portal do Groupon no Brasil. Em vez de atrair o cliente com e-mail de promoções, a empresa espera que ele acesse o site atrás de ofertas. “Normalmente, o consumidor entra no Google quando quer comprar algo”, afirma Rich Williams, vice-presidente global de marketing do Groupon. “Queremos assumir o papel de primeira referência quando ele quiser comprar online qualquer coisa, em qualquer lugar, a qualquer momento.”
Em vez de mandar a mesma promoção para milhares de pessoas – são 52 milhões de usuários ativos no mundo, dos quais 15 milhões no Brasil –, cada um deles verá ofertas a partir de seus gostos, hábitos de navegação e histórico de compras. “Antes, milhares de pessoas recebiam um e-mail na hora do almoço com promoções de pizzarias”, diz Williams. “Agora, saberemos quem gosta de pizza, carne, comida japonesa ou vegetariana.”
O terceiro ponto da mudança é a migração da base de assinantes para o celular. Com o site, foi lançado também um aplicativo com sistema de georreferência, e o usuário poderá ver as ofertas perto de onde está. “Juntamos os conceitos de mobile e varejo local”, diz Piestun. “O sistema vai conversar com a base de dados das operações da empresa e funcionará em qualquer lugar do mundo.” Nos EUA, mais da metade das transações do Groupon já são feitas via celular.
Na prática, o novo sistema joga o Groupon dentro do conceito de marketplace online – um dos que mais crescem no varejo digital. “Concentrar produtos e serviços de diferentes parceiros em um único local é tendência mundial”, afirma Mauricio Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Esse modelo é especialmente interessante para pequenos varejistas, que têm pouco dinheiro e visibilidade para criar sistemas de e-commerce próprios.
Quando a plataforma estiver instalada, também permitirá o desembarque no Brasil de outras unidades de negócios do Groupon, como a Reserve (reservas em restaurantes), Basic (vendas por atacado), Live (ingressos para shows) e Home (serviços para casa, como eletricistas e encanadores). A grande aposta, no entanto, é num sistema de gerenciamento de pontos de venda que acaba de ser lançado nos EUA. O Breadcrumb é uma das peças fundamentais do ecossistema que a empresa chama de “varejo do futuro”: integra descontos, curadoria de ofertas, celulares e localização a uma ferramenta que permite pagamentos sem uso de cartão ou dinheiro (o número do plástico fica armazenado na rede) e promete aos lojistas criar demanda instantânea com ofertas a clientes próximos. “A ideia é que, assim que começar a chover, o dono de uma loja em Tóquio possa fazer uma promoção relâmpago de guarda-chuvas, que será vista por um turista americano passando próximo”, diz Williams. “Pelo celular, ele faz a compra, reserva o produto, chega na loja e o recebe, sem precisar trocar uma única palavra ou sacar seu cartão.”
O Groupon trará para o país suas unidades de reservas em restaurantes, vendas por atacado, ingressos e serviços para casa
Até chegar lá, porém, o modelo tem de se provar. “O Groupon continua mais focado no desconto do que no produto”, diz um especialista. “Hoje, quase todas as empresas de e-commerce buscam produtos diferenciados, que permitem margem maior.” Já o presidente de outra empresa de varejo digital afirma que “operar com margem baixa e baseada na comparação de preço tem sido uma combinação mortal”. Além disso, como ressalta, “nessa busca por se tornar um marketplace de ofertas eles podem bater de frente com portais de comparação de preços já consolidados, como o Buscapé”.
A opção pelo varejo local também pressupõe a pulverização por cidades menores – o que exige uma equipe de vendas grande e custosa. Embora admita o peso do comercial – são 30 times no país –, Piestun diz que a tecnologia ajuda a diminuir a equipe. A empresa desenvolveu um software que cruza a demanda dos clientes com a lista de novos varejistas a serem priorizados pelos vendedores. “Além disso, a necessidade de capilaridade mostra que o modelo de negócios do Groupon é difícil de copiar”, afirma.
Outros problemas são herdados da fase de compras coletivas. Como atrair de volta um cliente que teve experiências ruins com serviços de segunda mão, ser mal atendido ou esperar horas em algum restaurante? Segundo Piestun, a saída é melhorar a qualidade das empresas que anunciam no Groupon. Foram reforçadas duas equipes, a de qualidade preventiva e a corretiva, que analisa o pós-venda. Se houver muitas reclamações, o estabelecimento pode ser excluído do portal. Outro dilema é atrair varejistas traumatizados. Muitos faziam promoções com prejuízo, apostando na fidelização do público a partir de boas experiências – o que, no geral, ficou longe de acontecer.
O novo modelo é uma reação ao terremoto que abalou o grupo em todo o mundo. O Groupon – contração da expressão inglesa Group Coupon, ou Cupom Coletivo – surgiu em 2008 e prometia ser o próximo Google. Ele praticamente criou o mercado das compras coletivas, quando a crise econômica aumentou o interesse por descontos. Foi a empresa que mais rápido faturou US$ 1 bilhão na história – em apenas dois anos, ante oito da Apple. Antes de abrir o capital na bolsa de Nova York, em 2011, recebeu uma proposta de compra de US$ 6 bilhões do próprio Google. Rejeitou.
A euforia ao redor do Groupon era alimentada por seu fundador e CEO, Andrew Mason, que se comportava mais de acordo com sua formação de músico do que como líder empresarial. Ficaram lendárias as histórias das fantasias com que aparecia para trabalhar e de seus vídeos no YouTube – num deles, faz ioga de cuecas na frente de uma árvore de Natal.
Mas nem a aura de Mason impediu desconfianças, antes mesmo do IPO. O grupo apresentou relatórios contendo contabilidade “criativa” e rompeu o período de silêncio antes de ir à bolsa. A própria abertura de capital, na qual a empresa captou US$ 700 milhões, foi questionada. Alguns analistas viram a pequena parcela de ações no mercado – menos de 5%, quando o mínimo normalmente fica na casa de 20% – como uma estratégia para inflar o preço dos papéis.
A festa das compras coletivas durou pouco. Com o sucesso do modelo, surgiram clones de baixa qualidade. O setor entrou num círculo vicioso. No Brasil, a disparada de reclamações levou o próprio Groupon e os concorrentes Peixe Urbano e ClickOn para os primeiros postos na lista de reclamações dos Procons. “O modelo ruiu como um castelo de cartas”, diz Felipe Morais, coordenador do MBA de e-commerce do Grupo Impacta. A maior parte das empresas desapareceu ou mudou o modelo de negócios. O Groupon sentiu o baque: no IPO, suas ações foram negociadas a US$ 17,5 e chegaram a US$ 21. Com os problemas, caíram para US$ 4. Hoje, estão na faixa dos US$ 6.
Insatisfeito com os resultados, o conselho demitiu Mason e o substituiu por Eric Lefkofsky, seu parceiro desde os primeiros dias da companhia. Fiel a seu estilo, o ex-presidente perdeu o cargo mas não a piada. “Eu decidi que quero passar mais tempo com a família”, anunciou em e-mail enviado aos funcionários. “Estou brincando: fui mandado embora hoje.” Uma boa hora para usar cupons de desconto.
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